02/06/2022 às 11h34min - Atualizada em 02/06/2022 às 11h34min

Projeto que lima autoescolas causa divergências entre autoridades

Ainda em tramitação no Senado, texto prevê que brasileiros poderão tirar CNH com ajuda de um instrutor particular, sem ter de passar por uma autoescola

Alunos não precisariam mais pagar autoescola para aprender a dirigir; em vez disso, poderiam recorrer a instrutor particular cadastrado no Detran - GERSON OLIVEIRA

O projeto de lei que retira a obrigatoriedade dos brasileiros de frequentar uma autoescola para realizar os exames práticos e teóricos para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) causa divergências entre autoridades de trânsito em Mato Grosso do Sul.  

Isso tudo será possível se o Projeto de Lei nº 6.485, de 2019 e de autoria da senadora Kátia Abreu (PP-TO), for aprovado.  

Entidades do Estado se dividem entre favoráveis e sem uma opinião concreta. A gerente de Educação para o Trânsito da Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran), Ivanise Rotta, disse que discorda do projeto. Ela é a favor de uma educação contínua e sistematizada.  

“Existe a Lei nº 265, que prevê que no Ensino Médio você já tenha essas aulas teóricas, porque nós buscamos trabalhar a ética, trabalhar a etiqueta no trânsito, trabalhar a questão da empatia, do bom senso”, disse Rotta.  

De acordo com ela, 40% da população de Campo Grande não tem CNH ou está com alguma irregularidade na habilitação, e mesmo assim está no trânsito.  

Outro dado alarmante é que, em 70% das mortes nas vias da cidade, quem matou ou morreu estava com alguma irregularidade. Um fator que contribui com acidentes.  

“Quanto menos contato a pessoa tiver com o processo de transitar com segurança, mais difícil ficará para que a gente faça com que eles sejam corresponsáveis”, comenta a gerente de Educação.  

Já Rudel Trindade, diretor-presidente do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul (Detran-MS), disse que o sistema atual de formação dos condutores prevê um conteúdo a ser ensinado pelas autoescolas, e ele acredita que esse conteúdo é indispensável, assim como os exames, que verificam o que foi ensinado.  

No entanto, Trindade não se diz a favor ou contra a proposta da senadora Kátia Abreu. “Quanto à forma de ensinar, existem muitas possibilidades e elas devem ser consideradas. Há vários estudos sobre isso em andamento, paralelamente ao projeto de lei”, informou Trindade.  

Em relação à segurança, o diretor-presidente diz que qualquer iniciativa que torne o processo de habilitação mais acessível é bem-vinda, desde que não comprometa a qualidade da formação.  

“Hoje, muitas pessoas estão conduzindo sem habilitação em razão dos custos para se tirar a CNH”, comenta.  

O secretário nacional de Trânsito, Frederico Carneiro, disse que a Secretaria Nacional de Trânsito e as câmaras temáticas do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estão discutindo sobre o projeto e analisando atualmente a revisão do processo de formação do condutor.  

“Esses outros elementos estão sendo avaliados. A questão lá do PL [projeto de lei] que está em tramitação no Congresso compete aos deputados e senadores. A Secretaria Nacional de Trânsito e o Ministério da Infraestrutura oportunamente se manifestarão a respeito do texto final que for aprovado”, finaliza Carneiro, que esteve ontem (1º) na Capital.  

PROJETO  

O PL entrou em tramitação em dezembro de 2019 e ainda está na Secretaria de Apoio à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Senado Federal. A iniciativa prevê uma mudança na Lei nº 9.503, de 1997, que é responsável por instituir o Código de Trânsito Brasileiro e rege a utilização e a circulação de vias terrestres.  

O projeto proíbe a exigência de cursos em autoescolas como condição para a realização de exames de habilitação nas categorias A e B e para veículos automotores e elétricos em todo o Brasil.  

Caso o texto seja aprovado, os futuros condutores poderão contratar um instrutor independente, que será credenciado para a atividade. No entanto, de acordo com o projeto, as normas de trânsito serão mais rigorosas, e os exames teóricos e práticos mais criteriosos.  

A senadora Kátia Abreu disse, em 2020, no início da tramitação do projeto, que dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 52 milhões de pessoas ganham até um salário mínimo e, por isso, grande parte da população não tem condições de arcar com os custos das autoescolas e as taxas do Detran.  

Na justificativa do projeto de lei, a senadora cita que os custos para se ter uma habilitação no Brasil são “exorbitantes e, muitas vezes, inviáveis”.  

“Na maioria dos estados, o valor total para obtenção da CNH pode chegar a R$ 3 mil”, defende a senadora.  

AUTOESCOLAS  

Rodrigo Lima é dono de uma autoescola na Capital e informa que os altos valores são decorrentes dos custos com impostos, guias do Detran-MS e combustível.  

“Para te falar a verdade, esse projeto é sem fundamento”, declara Lima.  

“O Detran mesmo é um dos órgãos que não vai querer que as autoescolas acabem nunca, porque ele arrecada em cima da gente, tanto de instrutores quanto em cima da autoescola”, finaliza Rodrigo Lima.  

Já Agnaldo Aparecido Jacob, também proprietário de autoescola, se preocupa com a aplicação do projeto.  

“É que o pessoal está querendo copiar algo lá dos Estados Unidos, que é um país de primeiro mundo e obedece às leis, aqui ninguém vai obedecer”, comenta Jacob.  

O empresário diz que, se a lei for aprovada e sancionada, pode piorar o trânsito da cidade. “Se com as autoescolas, que são locais que ensinam sobre as leis, o trânsito já é ruim, imagina sem”, diz.  

Luiz Fernando, motoboy que tirou recentemente a CNH para trabalhar, é a favor do projeto. “Há pessoas que não têm como pagar o processo todo, a maioria já sabe dirigir. Sendo assim, poderia tirar a autoescola e ter apenas uma prova final, para quem falasse que já sabia ir lá e fazer. Autoescola poderia ser para aqueles que não sabem nada”, defende Fernando. 

 

SAIBA

O projeto de lei também prevê um novo destino para os recursos arrecadados com multas de trânsito no Brasil. 

A receita seria para a obtenção da primeira CNH, nas categorias A e B, para pessoas que pleiteiam o documento ou a mudança de categoria, que se destina a objetivo profissional.

 Segundo a senadora Kátia Abreu, entre 2014 e 2018, o total de multas arrecadadas no período foi de R$ 43,5 bilhões. Já a emissão de carteiras de habilitação alcançou um total de R$ 13 milhões.


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