27/06/2023 às 08h10min - Atualizada em 28/06/2023 às 04h00min

“Uma hora a conta chega”, afirma Ney Franco sobre lesões de jogadores devido ao excesso de jogos

Em entrevista ao Sambafoot, o treinador relembra passagens pelo Flamengo e fala sobre cenário atual do futebol brasileiro

SALA DA NOTÍCIA Marina Kaiser Gomes de Faria
sambafoot.com/br/
Getty Images

Nos últimos anos se tornou comum os clubes do Brasil contratarem treinadores estrangeiros. Alguns conseguem se adaptar, como Jorge Jesus, Abel Ferreira e Jorge Sampaoli. Outros fracassam, como Paulo Sousa, Paulo Bento, Miguel Ángel Ramírez, entre outros. 

Para Ney Franco, em entrevista exclusiva ao Sambafoot, a cultura do futebol brasileiro é muito diferente da europeia. 

“O treinador brasileiro tem essa característica de se adaptar e se ajustar a determinado talento do elenco. Esses treinadores [europeus] nesses momentos [de crise] perdem oportunidades onde não conseguem se adaptar a esse elenco. Se pegar uma cultura na Inglaterra, tem uma paciência maior. O treinador é o que contrata. No futebol brasileiro ainda tem a figura do Diretor e do Executivo do Futebol. A contratação no futebol brasileiro é muito tumultuada. A gente está acostumado a esse modelo. Esses treinadores que vêm e se adaptam tem tudo para dar certo. Quem deu muito certo, além do Jorge Jesus, é o Abel Ferreira", afirma. 

Ney Franco surgiu para o mundo do futebol em 2004, após começar um grande trabalho à frente do Ipatinga, em Minas Gerais. Depois de duas finais seguidas do Campeonato Mineiro, o treinador foi convidado a trabalhar no Flamengo. De lá pra cá, Ney Franco conquistou diversos títulos, entre as principais se destacam: Copa do Brasil com o Flamengo, Copa Sul-Americana com o São Paulo, Copa do Mundo sub-20 com a Seleção Brasileira e Campeonato Brasileiro da Série B com o Coritiba.

Novos desafios e considerações ao aceitar uma proposta

Durante a entrevista, Ney Franco comentou sobre o trabalho que tem feito para retornar ao mercado (seu último clube foi o CSA, em 2021), que inclui acompanhar os jogos de diferentes campeonatos regionais no país, trocar informações com outros técnicos e estar atento ao que acontece no mercado.

“O certo é que eu estou preparado para voltar a qualquer momento, de preferência dentro de um clube de Série A do futebol brasileiro, mas se aparecer a oportunidade também em algum clube que dê para fazer um projeto legal na Série B. Lembrando que eu já tenho acesso com Curitiba em 2010, outro acesso com o Goiás em 2018, então é uma competição também importante hoje dentro do calendário brasileiro. Se eu tiver essa possibilidade de pegar algum clube também em condições de lutar por título ou por acesso, estou preparado”.

Segundo o treinador, os principais fatores que devem ser considerados na hora de aceitar um trabalho são a tradição do clube, assim como sua atual estrutura, elenco e condição econômica, especialmente quando a proposta vem durante a temporada (o que pode indicar alguns problemas técnicos ou de resultado).

Para ele, o ideal é pegar uma equipe no início da temporada, o que facilita na formação do elenco e na elaboração de uma boa pré-temporada, trabalhando primeiro os conceitos físicos e depois a parte técnica e tática. 

“Esse é o melhor dos mundos. Mas quando isso não acontece, quando você recebe esse convite no meio da temporada, pesa tudo isso: o nome do clube, a estrutura, a capacidade de investimento, a força da torcida, o apelo da imprensa também. [...] É um pacote de detalhes que, em alguns momentos, te faz aceitar um convite logo de primeira e em outros você até declina porque pode perceber que é um clube que de repente vai ter muitas dificuldades na temporada. Mas eu acho que a maioria dos treinadores gosta do grande desafio”.

Passagens pelo Flamengo

Após atuar como técnico interino no Cruzeiro entre 2002 e 2004, Ney Franco foi para o Ipatinga, onde ganhou reconhecimento nacional em seu primeiro torneio, em 2005, levando a equipe à conquista do Campeonato Mineiro (essa foi a primeira vez em 40 anos que um time de fora da capital venceu o torneio). 

Com essa vitória, o Ipatinga entrou na Copa do Brasil de 2006, eliminando times como Santos (campeão paulista de 2006) e Botafogo (campeão carioca de 2006) até chegar às semifinais, quando perdeu para o Flamengo.

“Depois da eliminação do Ipatinga, no Maracanã, eu recebi a visita do Kléber Leite no vestiário do Ipatinga. A princípio, eu pensava que ele iria lá só para cumprimentar pelo confronto e pelo trabalho. E ele me chama no canto e fala que ele iria trocar o treinador dele e queria conversar comigo sobre essa possibilidade de eu ir trabalhar no Flamengo. A princípio, eu sempre coloco, eu achava que isso era uma pegadinha, porque não passava pela minha cabeça. Logicamente que eu tinha o sonho de me tornar um treinador de Série A de futebol brasileiro, treinar equipes como o Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Fluminense, Vasco, Cruzeiro, Atlético - esse era o meu sonho de carreira. Mas quando isso chegou de forma oficial, no início eu achei que era uma pegadinha”, relembra.

O treinador conta que foi nessa hora que entendeu a dimensão que o seu trabalho no Ipatinga estava alcançando, chamando a atenção de grandes clubes do Brasil.

“Nessa conversa com o Kléber, ele falou comigo: ‘Ney, eu sei que você está com proposta de outros clubes’. Eu segurei aquilo - eu não tinha proposta nenhuma. E fingi, né? Fingi que tinha, mas porque eu vi ali uma possibilidade real mesmo”, conta com uma risada. 

A conversa ocorreu numa madrugada de quarta para quinta, e já na segunda-feira seu nome foi anunciado pelo Flamengo. “Atendi muita imprensa, coisa que eu nunca estava acostumado assim. Terminamos uma hora da manhã, a Rede Globo batendo com a gravação dentro do meu apartamento - foi aí que eu realmente fui entender a dimensão do que estava acontecendo”.

Sua passagem pelo Flamengo durou um ano e quatro meses, período no qual levou o clube à vitória da Copa do Brasil, em 2006, assim como da Taça Guanabara e do Campeonato Carioca em 2007. 

Sobre a Copa do Brasil, Ney Franco lembra a escalação assertiva de Renato Augusto, na época jogador da equipe sub-20 do rubro-negro. “A gente foi muito feliz na escolha, o Renato entrou e entrou bem. Ele viu toda a Copa do Brasil da arquibancada, porque ele era torcedor do Flamengo, e de repente, numa virada de chave, ele estava dentro de uma final, dentro do Maracanã lotado, e ali demonstrou, além da qualidade técnica que tinha, a qualidade emocional, o que chama a atenção sua na carreira”.

No entanto, após uma fraca campanha na Libertadores e no Campeonato Brasileiro, acabou sendo demitido. Dessa época, Ney Franco lembra da pressão que sentiu após a desclassificação da Libertadores. “Geralmente essa cobrança vem muito em cima do trabalho do treinador, na forma de jogar, porque escalou determinados jogadores, e num clube com essa proporção do Flamengo, isso é o parâmetro para o torcedor discutir nos bares, no seu dia a dia, e também fazer uma cobrança. Eu lembro que na época estava começando realmente as redes sociais, não era como é hoje, mas já tinha os sites com seus comentários esportivos”.

Além disso, o treinador lembra de um episódio próximo da sua saída do clube, quando fez um treinamento na Gávea com torcedores presentes. Segundo ele, tinha cerca de 250 apoiadores do rubro-negro presentes, assisindo o treino com bandeiras pedindo sua saída.

“Você vai ficando cascudo, e logicamente que todas as experiências positivas e negativas que eu tive no Flamengo eu levei para frente nos outros clubes que trabalhei. São experiências que te fazem como treinador e te fazem amadurecer”.

Em 2014 o treinador foi chamado para liderar novamente o rubro-negro, durante um período mais complexo do clube. “Foi um momento muito tumultuado que o Flamengo vivia, com muitos problemas econômicos para a contratação de atletas. Eu lembro que a gente não conseguia disputar [contratação] com algumas equipes de Série B. E foi em 2014 onde teve essa parada também para a Copa do Mundo. Fomos para a Atibaia, ficamos lá uns 15 dias em treinamento, mas a equipe não deu liga, a realidade foi essa. Existia a entrega dos atletas, era uma equipe qualificada, mas era uma equipe que, por já estar com resultados ruins, enfrentava muitos questionamentos, a cobrança estava muito forte. Então, emocionalmente, o ambiente não estava muito legal e o trabalho não encaixou”, afirma. 

Futebol brasileiro e excesso de jogos

Durante o bate-papo com o Sambafoot, Ney Franco também fez algumas considerações sobre o cenário atual do futebol brasileiro, considerando a temporada atual e os diversos campeonatos regionais.

Em termos de qualidade e estrutura, os comentários foram positivos, especialmente em se tratando da Série A. “Hoje, o Brasil tem uma capacidade econömica maior de pinçar os melhores jogadores da América do Sul para vir jogar aqui, então você vê estrangeiros jogando no Brasil, como o Arrascaeta, que estava no Cruzeiro e agora está no Flamengo, e o Cano, no Fluminense, jogadores que deram uma qualificada técnica no nosso futebol”.

No entanto, o treinador aproveitou para criticar o problema do calendário do futebol brasileiro, com clubes disputando diversos campeonatos ao mesmo tempo, especialmente no início das temporadas, quando ainda não há uma base física da equipe.

“Uma hora a conta chega, e o principal problema vão ser problemas musculares dos atletas. A gente já percebia que esses problemas musculares eles batiam muito com o mês de outubro. Todas as equipes começam a ter problemas neste mês e, este ano, parece que isso está se antecipando. E esse perder jogadores por questões físicas ou clínicas acaba atingindo a qualidade técnica. O time do Flamengo com Arrascaeta é um, sem Arrascaeta é outro. O time do Corinthians com Renato Augusto é um, sem é outro. O Atlético Mineiro com o Hulk é um, sem o Hulk é outro. Então essas peças, quando você perde - perde por excesso de jogos -, você acaba pagando a conta”, diz.


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