03/04/2024 às 09h30min - Atualizada em 03/04/2024 às 09h30min

Tortura na ditadura: Comissão de Anistia aprova retratação coletiva de povo indígena de MS

O colegiado formalizou a anistia e o pedido de desculpas do Estado brasileiro aos indígenas Guyraroká de Mato Grosso do Sul e Krenak, do norte de Minas Gerais

SUELEN MORALES
Povos Guarani-Kaiowa, da comunidade indígena Guyraroká, localizada no município de Caarapó (MS), a cerca de 275 quilômetros de Campo Grande - Marcelo Camargo/Agência Brasil

A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos analisou e aprovou hoje (2) os primeiros pedidos de reparação coletiva da história do Brasil. O colegiado formalizou a anistia e o pedido de desculpas do Estado brasileiro aos indígenas Guyraroká de Mato Grosso do Sul e Krenak, do norte de Minas Gerais.

Em nota ao Correio do Estado, o Ministério dos Povos Indígenas parabeniza a iniciativa da Comissão e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania pela reparação aos povos indígenas pela violência sofrida durante o regime militar.

"O julgamento coletivo das violações sofridas pelos povos indígenas Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, e Krenak representa um passo fundamental na preservação da cultura e história brasileira. O Estado brasileiro precisa reconhecer a gravidade dessas práticas violentas que afetaram os povos indígenas e adotar medidas de reparação voltadas sobretudo à não repetição. 
O MPI agradece todos os esforços que foram colocados em favor da construção de políticas de memória e verdade, e reafirma que está à disposição para o seu fortalecimento e consolidação.
Nosso Governo é o da reconstrução. E sendo assim, seguiremos lutando pela consolidação de políticas de memória, verdade, justiça e reparação aos povos indígenas, para contribuir com a construção de uma sociedade em que se reconheça a importância da cultura indígena para a identidade do nosso país."

Essas ações, anteriormente rejeitadas pela Comissão de Anistia em 2022, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, foram levadas novamente ao colegiado após recurso do Ministério Público.

O pedido de anistia coletiva dos povos Guarani-Kaiowa, da comunidade indígena Guyraroká,  localizada no município de Caarapó (MS), a cerca de 275 quilômetros de Campo Grande, foi protocolado pelo Ministério Público Federal (MPF) em agosto de 2015.

Os indígenas das etnias Guarani-Kaiowa foram perseguidos e expulsos de suas terras durante a ditadura militar, sem receber qualquer compensação até então, já que apenas pedidos individuais eram considerados pela Comissão de Anistia. O processo foi recentemente atualizado após reuniões com lideranças da aldeia Guyraroká.

Retirada do território

Durante o período da ditadura militar e após a Guerra do Paraguai, políticas federais de ocupação do território nacional resultaram em ações estatais que forçaram o deslocamento dos indígenas de Guyraroká, resultando em perdas de vidas e uma devastadora ruptura de seus modos de vida tradicionais.

O objetivo era remover os indígenas das vastas áreas que historicamente ocupavam de acordo com seus modos de vida tradicionais e confiná-los em espaços restritos determinados unilateralmente pelo governo. As terras anteriormente ocupadas por eles foram então disponibilizadas para terceiros, cuja posse foi legitimada por títulos de propriedade.

Essas violações perpetradas pelo governo brasileiro contra os indígenas de Mato Grosso do Sul foram reconhecidas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou o confinamento territorial enfrentado pela comunidade Guyraroká em Dourados, onde depoimentos foram ouvidos. Estima-se que mais de 8.300 indígenas tenham perdido suas vidas durante esse período devido às ações estatais ou à negligência do governo brasileiro.

Violando sua separação do território por anos, os indígenas começaram a retornar gradualmente a Guyraroká a partir de 2004, inicialmente ocupando a faixa de domínio da rodovia estadual que circunda a terra indígena (MS-156) e posteriormente reivindicando uma parte do território - 65 hectares de um total de 11 mil.

O Ministério Público Federal ressalta, em sua busca por anistia, que a principal atividade econômica dos indígenas Kaiowa é a agricultura, e ao serem removidos à força de seu território pelo governo brasileiro, foram privados de todas as suas atividades econômicas, merecendo compensação.

Além disso, a dispersão do grupo e a privação de acesso a seu território tradicional, combinadas com a extrema pobreza, resultaram em um número significativo de mortes por suicídio na comunidade. Entre 2004 e 2010, registrou-se um caso de suicídio por ano em um grupo de 82 pessoas.

Funai defende anistia para todos os povos indígenas do Brasil

A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, destacou a importância da reparação coletiva aos danos causados pela ditadura militar aos povos Guarani-Kaiowa, do Mato Grosso do Sul, e Krenak, de Minas Gerais.

Durante a primeira sessão de julgamento dos pedidos de anistia, o colegiado deferiu os requerimentos e formalizou um pedido de desculpas aos dois povos por terem sido vítimas de perseguição e tortura no período do regime militar.

Após votação e aprovação, a presidente da comissão, Eneá de Stutz de Almeida, em um gesto simbólico, se ajoelhou e pediu desculpas ao povo guarani-kaiowá em nome do Estado brasileiro.

"Concordamos com todos os termos e propostas que foram trazidos. Nós iremos fazer as recomendações para as autoridades competentes tomarem as medidas necessárias para que vocês finalmente tenham a terra, a saúde e principalmente o respeito. Algo que tem sido sonegado por mais de 500 anos", afirmou a presidente da Comissão de Anistia.


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