10/08/2020 às 09h58min - Atualizada em 10/08/2020 às 09h58min

UTIs lotadas expõem o estresse de profissionais que estão na linha de frente

Pela primeira vez, ocupação dos leitos de UTI passou de 100% em uma macrorregião

As unidades de tratamento intensivo do Hospital Regional estão lotadas - Foto: Saul Schramm

Pela primeira vez em quase cinco meses de pandemia de Covid-19, a ocupação dos leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) passou de 100% em uma macrorregião. 

O fato ocorreu em Campo Grande e, além da demanda maior do que a oferta, também expõe o estresse a que estão submetidos os profissionais de saúde: somente no Hospital Regional, há 44 profissionais afastados.  

Ontem não havia vagas para pessoas que precisavam de tratamento intensivo: conforme boletim da Secretaria Estadual de Saúde (SES), a ocupação das 234 UTIs ofertadas via Sistema Único de Saúde (SUS) estava em 101%.  

No mesmo dia, dos pacientes em tratamento intensivo pelo SUS na Capital do Estado, 57% eram casos confirmados ou suspeitos de infecção por coronavírus.  

Nesta semana, a Justiça deve tomar uma decisão sobre o pedido feito pela Defensoria Pública para interromper o funcionamento das atividades não essenciais para frear o contágio do coronavírus. 

Na sexta-feira (7), houve audiência com defensores, promotores de Justiça, infectologista, representantes da indústria e do comércio e o prefeito Marcos Trad (PSD). Não houve acordo. 



Há alguns dias, Mato Grosso do Sul perdeu o ranking de estado com o menor número de casos confirmados e de óbitos. 

O indicador mostra que a Covid-19 efetivamente chegou e hospitais lotados já começam a compor o panorama da doença.

Exemplo disso é que o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS), unidade hospitalar de referência no atendimento aos pacientes com a doença, já registrou quatro dias consecutivos de ocupação máxima no início de agosto, nos dias 5 e 6 deste mês havia apenas 3 vagas disponíveis. Ontem, até o encerramento desta edição, não havia nenhuma.  

Para a equipe de profissionais do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, a preocupação em relação ao avanço da pandemia tem dois motivos principais; primeiro, o aumento constante nas internações e, consequentemente, da taxa de ocupação de leitos críticos; segundo, o comprometimento da saúde dos colegas de trabalho, principalmente pelo longo tempo de duração da pandemia, considerando que já chegamos à 32ª semana.  

Bastidores

Os relatos da equipe técnica e o cenário que é possível verificar na unidade hospitalar mostram que o clima de tensão e de preocupação está longe de chegar ao fim, como explica a diretora de Enfermagem e líder do Gabinete de Crise do HRMS, Ana Paula Borges: 

“Temos 308 pacientes internados adultos e 113 estão em estado grave, de UTI, todos os leitos ocupados, 149 leitos em enfermaria e 90% necessitam de oxigênio”.

Na avaliação da diretora-presidente do hospital, Rosana Leite, a situação grave é resultado de comportamento longe do ideal para contenção do vírus, que estaria diretamente ligado ao isolamento social e a medidas de higiene. 

“Reiteramos constantemente a importância do distanciamento, a utilização das máscaras, porque, conforme vai elevando o ciclo dessa doença, vai chegar o momento em que várias pessoas terão de vir ao hospital, agravando o problema”.

“É uma angústia saber que nós não temos a capacidade de atender, estamos trabalhando com todos os esforços, com apoio de várias entidades, todo mundo envidando esforços para termos equipamentos, recursos humanos, mas nós temos um limite, limite que não se refere apenas às pessoas que estão aqui, aos pacientes, mas também aos profissionais de saúde. Nossos colegas estão ficando doentes”, lamenta a diretora-presidente.

 

Na linha de frente  

A preocupação da diretora Rosana se faz evidente nos relatos de outros colegas, isso porque, além da contaminação, há a pressão resultante do trabalho excessivo e dos óbitos. 

“A nossa dificuldade hoje é o controle sobre o cuidado com o funcionário em relação ao uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). Existem afastamentos que ocorrem por contaminação ou até mesmo por motivos diversos, associados a medo, por isso contamos com um atendimento psiquiátrico aos profissionais, que relatam, entre outras coisas, o receio de contaminar os familiares”.

Desfalque

Para a médica intensivista do hospital Luciana Felix, esse agravamento da pandemia é o que tem elevado a dificuldade no gerenciamento de recursos humanos. 

“Ao longo da pandemia, os profissionais estão se contaminando e precisam se ausentar, com isso, precisamos ir remanejando os profissionais que ficam para atendimento da demanda. Os colegas que adoecem do ponto de vista psicológico se afastam por um período muito maior, então sempre precisamos de ajuda, pessoas empenhadas em fazer além da sua carga horária. É uma doença que mexe muito com o psicológico e já está se arrastando há bastante tampo, portanto, estamos vendo que os profissionais estão cansados”.  

A intensidade dos últimos dias e a mudança na rotina antes e depois da Covid-19 têm desafiado os profissionais da saúde, como conta o fisioterapeuta intensivista do HRMS Delando Breno Pereira.

“A intensidade é tanto emocional como física mesmo. Nossa equipe é muito unida, então a gente consegue um com outro nos ajudar para continuar. Lidamos com a morte constante e tem também o medo de contrair o vírus e levar para a família”.  

Atualmente, 44 profissionais da saúde do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul estão afastados por coronavírus. 149 colaboradores já tiveram a doença e foi registrado um óbito. 

A unidade hospitalar conta com mais de 2,5 mil funcionários, entre profissionais da saúde e do setor administrativo.  

De acordo com os dados da Secretaria de Estado de Saúde, o Estado registra 2.817 profissionais da saúde com casos confirmados da doença, com 13 óbitos contabilizados até o momento.  

Atendimento

Mesmo diante de tantas dificuldades, é no correto e humanizado atendimento que as vidas têm sido salvas no hospital. Nesta semana, a notícia de um recém-nascido foi repercutida na imprensa local por ter obtido a cura após ter sido internado na CTI depois de contrair o vírus. 

Foram 14 dias longe da mãe, mas aos cuidados de vários membros da equipe. 

“Ele nasceu no dia 1º de julho, fiquei com quadro gripal, meu esposo, meu pai, logo após ter saído do hospital, ele teve febre, desconfiaram que era Covid e ele foi internado, depois do resultado, ele foi para a CTI. Foram muitos dias em que eu tinha notícias dele por telefone e não podia vê-lo, o médico me passava as informações certinho por telefone”, salienta a mãe.  

E quando isso não é possível, quando um óbito é registrado, vem o sentimento de frustração dos profissionais da saúde. 

“O que mais dói é a perda que temos com o paciente, é muito difícil a gente ver que depois de tantos dias, às vezes, não conseguimos salvá-lo. É frustrante. A morte é muito difícil. A família não consegue estar perto, o paciente está sozinho e, se ele vai a óbito, a família não consegue ver o paciente e isso mexe muito com a gente”, afirma a médica Luciana Félix.


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