19/06/2023 às 10h41min - Atualizada em 19/06/2023 às 10h41min

Falta de fiscalização impede paridade salarial, diz especialista

Com a nova lei de equiparação salarial entre homens e mulheres em discussão, a diferença de renda média chega a R$ 1.004 em Mato Grosso do Sul este ano

ANA KARLA FLORES
Apesar do amparo de leis que obrigam salários iguais para homens e mulheres com o mesmo cargo, diferença permanece alta em MS - Foto: Gerson Oliveira

Projeto de lei que exige paridade salarial entre homens e mulheres em cargos iguais foi aprovado pelo Senado e agora aguarda sanção presidencial. A especialista em direito trabalhista Ynes da Silva Félix argumenta que, embora já existam diversas normativas que respaldam juridicamente a igualdade salarial, a falta de fiscalização impede a equiparação dos salários.

De acordo com Ynes, há diversas leis que proíbem a diferença salarial entre homens e mulheres com o mesmo cargo, e o direito à igualdade está presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. No Brasil, a equiparação salarial está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e é reconhecida pela Constituição Federal de 1988.

“Portanto, mesmo antes da nova lei, a discriminação em matéria de salário e/ou a desigualdade salarial estava garantida e poderia ser exigida administrativa ou judicialmente. A existência de uma lei não obriga o cumprimento nem impede a conduta do indivíduo, ela impõe sanção para o descumprimento. Com isso, atua pedagogicamente para estimular o cumprimento espontâneo”, argumenta. 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mato Grosso do Sul registrou uma diferença média de R$ 1.004 entre o salário de homens e mulheres com o mesmo cargo no primeiro trimestre de 2023.


Durante o período da pesquisa, os homens ganhavam, em média, R$ 3.584, enquanto as mulheres recebiam R$ 2.577.

O Distrito Federal foi o estado com a maior diferença salarial, com uma variação de R$ 1.553. Em terceiro lugar, com maior disparidade, ficou Mato Grosso, com R$ 973, seguido pelo Espírito Santo, com R$ 895, e Goiás, com R$ 860. 

O Amapá é o único estado do Brasil em que as mulheres têm salários maiores que os dos homens, mas a diferença é de apenas R$ 37.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2019, a menor proporção salarial entre os principais grupos ocupacionais é observada em cargos de direção e gerência, em que os salários das mulheres equivalem a 61,9% dos salários dos homens, com média mensal de R$ 4.666 para as mulheres e R$ 7.542 para a outra parcela.

Em seguida estão profissionais das ciências e intelectuais, grupo no qual as mulheres recebem 63,6% do rendimento dos homens.

“Resolver o problema é muito forte, mas as disposições da nova lei poderão contribuir para diminuirmos a diferença média de 22,3% entre o salário que recebe a mulher e aquele recebido pelo homem, pelo mesmo trabalho”, argumenta a advogada.

Mesmo que essa garantia já esteja prevista em diversas normativas, inclusive na Constituição, Ynes argumenta que o reconhecimento legal da desigualdade salarial é importante para coibir condutas discriminatórias.

Além disso, contribui para a garantia de um aparato jurídico em casos de denúncia. No entanto, ela destaca que isso não garante igualdade salarial na prática.

“Penso que, nesse momento, a nova lei avança para o alcance da igualdade material na medida em que estabelece mecanismos específicos de fiscalizar e coibir as práticas discriminatórias, para que o Estado assuma uma postura ativa na implementação de ações e políticas de promoção da igualdade de salários entre homens e mulheres”, explica.

A especialista afirma que o cumprimento da lei dependerá da fiscalização, da atuação de toda a sociedade e especialmente das mulheres e suas organizações.

Por sua vez, as empresas podem adotar políticas para se comprometerem em implementar as ações previstas na nova lei, de acordo com a especialista.

“É uma boa oportunidade para os sindicatos atuarem tanto em caráter preventivo e pedagógico, por meio da negociação coletiva de trabalho para a fixação e adoção de políticas internas nas empresas, como também no suporte jurídico para as ações reparatórias”.

HISTÓRICO

A advogada trabalhista também explica as origens da disparidade salarial entre homens e mulheres. Segundo ela, a renda é historicamente diferente por diversos fatores, entre eles, a desigualdade de gêneros.

“Essa diferença já estava presente no início do trabalho assalariado, na 1ª Revolução industrial [segunda metade do século 18], quando as mulheres e crianças passaram a compor a força de trabalho nas fábricas recebendo salário menor que o dos homens, sendo reconhecidas e remuneradas como meias-forças”.

Para Ynes, a persistência da divisão de gênero no trabalho age como fator de desvalorização da mulher, que acaba ocupando as chamadas “profissões femininas”, geralmente com menor remuneração.

Além disso, as mulheres também são responsáveis por tarefas de cuidado que não são remuneradas.

“Os cargos ocupados por mulheres tendem a ter menor nível salarial, isso contribui para a diferença. Os cargos de maior remuneração também mostram maior diferença salarial e revelam os limites impostos pelo chamado ‘teto de vidro’, que dificulta a ascensão funcional das mulheres a cargos de direção”, conclui. 

PROJETO DE LEI

O Senado aprovou, em 1º de junho, o Projeto de Lei (PL) nº 1.085/2023, que exige igualdade salarial e critérios de remuneração uniformes para homens e mulheres que desempenham o mesmo trabalho ou ocupam o mesmo cargo. A proposta agora aguarda sanção presidencial.

Após a implementação da lei, as empresas que apresentarem disparidade salarial serão obrigadas a criar planos de ação para eliminar essas desigualdades, estabelecendo metas e prazos para sua implementação.

A proposta de lei inclui uma série de penalidades para discriminação de sexo, raça, etnia, origem ou idade.

O pagamento das diferenças salariais não impedirá a pessoa discriminada de buscar compensação por danos morais. Além disso, a lei propõe uma mudança na penalidade estabelecida no artigo 510 da CLT.

De acordo com a nova lei, a multa será equivalente a dez vezes o valor do salário atualizado que o empregador deve ao empregado prejudicado e pode dobrar em casos de reincidência.

A legislação também estipula que, em caso de não conformidade, a empresa pode ser multada em até 3% da folha de pagamento, com um limite de 100 salários mínimos.

Conforme a advogada trabalhista, o projeto prevê medidas para garantir a igualdade salarial, como o estabelecimento de mecanismos de transparência salarial, o aumento da fiscalização, a criação de canais específicos para denúncias de casos de discriminação salarial, a promoção de programas de inclusão no ambiente de trabalho e o incentivo à capacitação e formação das mulheres para ingressar, permanecer e ascender no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.


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